quinta-feira, 9 de julho de 2015

Últimas reflexões sobre o caso Maju. Depois esqueceremos.

Por Fernando Castilho


Passados alguns dias após a procela do caso Maju, já dá para se fazer algumas reflexões.

Claro que o racismo é uma das piores perversões que um ser humano comete contra outro, não tenha dúvidas.

Mas foi grande a comoção nacional em torno do caso. Até o Bonner e a equipe do Jornal Nacional são todos Maju desde criancinhas, numa espécie de desalinho com a opinião de seu diretor na Globo, Ali Kamel, sociólogo de formação, que escreveu o livro "Não somos racistas", em que critica a adoção de cotas raciais, sustentando a tese de que, ao contrário de combater o racismo, elas podem dar origem ao ódio racial, segundo ele, até aqui i-ne-xis-ten-te no Brasil.

Manuel Castells recentemente afirmou: ''A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, [o brasileiro] sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. Essa agressividade sempre existiu.'' Contra o negro então, nem fale.

Darcy Ribeiro em ''O Povo Brasileiro'' afirma que os portugueses ao chegarem ao Brasil caçavam toda e qualquer índia para estuprá-la e fazer-lhe filhos mestiços. Mais tarde os senhores das fazendas faziam o mesmo com as escravas negras quando começavam a atingir a puberdade. Elas eram coisas que antes de se estragarem e serem substituídas por mais novas serviam inclusive para o rito de passagem dos filhos da casa grande para a idade adulta.
As negras não eram boas para se casar, mas sim para estuprar.

Os escravos foram ''libertados'', todos sabem em que condições, e nem é preciso falar aqui da dívida moral que temos com seus descendentes, embora Kamel o negue.

O ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa se referiu ao caso Maju desabafando algo como isto: Ninguém tem ideia do que passei no STF. Sim, ele também com certeza deve ter sido hostilizado pois não é possível tolerar um negro (inserido pelas mãos de Lula que queria porque queria um negro no STF) no mais alto grau do Poder Judiciário brasileiro. Barbosa só foi admirado mais tarde pela casa grande por ter se empenhado pessoalmente nas condenações do mensalão.

E Maju é uma das negras que alcança uma certa projeção no horário nobre da televisão, embora só apresente as previsões do tempo.

Maju é bonita, simpática e fala muito bem. Pode ter futuro melhor que as atrizes negras que geralmente fazem papel de escravas ou domésticas nas novelas da própria emissora.

Mas o que eu realmente quero dizer é que o ''somos todos Maju'' que muita gente publicou e replicou nas redes sociais é da mais alta hipocrisia que se possa conceber.

Muito pouca gente é Maju. Quase ninguém. E mesmo aqueles que convivem com negros, que procuram se abster do preconceito, acabam por revelá-lo em algum momento.

Lí outro dia o depoimento de um advogado negro que jura de pés juntos que nunca enfrenta preconceito de brancos. Convive bem com eles em várias rodas, seja entre seus pares de profissão, seja em outros grupos sociais. Um (a) repórter acompanhou-o à academia de ginástica constatando que realmente ele era muito popular. Porém, após o advogado ter acabado de usar um aparelho, um de seus amigos que iria utilizá-lo em seguida, cuidando para que ele não percebesse, desinfetou-o cuidadosamente com álcool. Detalhe: ele nem tinha começado a suar ainda.

Aconteceu em minha vida. Tínhamos no escritório um engenheiro negro. Tão negro que ele próprio dizia que era de raça pura e por isso superior aos mestiços que pisavam muito na bola. Ele não sabia, mas as checagens de seus projetos eram mais rigorosas do que as dos outros, brancos, vários de raça não tão pura quanto a dele.

Uma vez fui barrado em uma porta giratória de um banco. Como já tinha tirado todos os objetos metálicos que carregava e mesmo assim não conseguia adentrar ao recinto, passei a reclamar. Logo o gerente ordenou que o segurança abrisse a porta que deveria estar com algum defeito. Porém, logo em seguida um negro também tentou entrar em vão. Dessa vez o segurança saiu e o revistou ainda na calçada à frente dos passantes. Só depois ele pode entrar. Enão reclamou pois esse devia ser seu dia a dia.

Existe uma lei contra o racismo e ela não é nada branda, mas é fácil perceber que nem sempre funciona. O Danilo Gentili praticamente chamou de macaco um internauta, foi acionado por isto mas o juiz entendeu que o crime não fora cometido. Hipocrisia.

Torcedores do Barcelona atiraram bananas no jogador Daniel Alves. Em seguida Luciano Huck, que nunca se manifestou contra o racismo nem declarou apoio às cotas, tentou faturar em cima para vender camisetas. 

Diariamente assistimos demonstrações de racismo, seja em piadinhas de stand up, seja em zorras totais. São mais brandas do que na época de comediantes como Costinha, especializado em piadas de gays, mas mesmo assim sobrevivem pois os jovens de hoje em grande parte são contrários ao políticamente correto e acham que vale tudo pela liberdade de expressão. O mesmo acontece com relação à população LGBTT.

Mas por incrível que pareça há um lado bom (bom? Talvez útil) nessa celeuma do caso Maju. Serve para nos alertar que racistas assumidos existem aos borbotões e estão cada vez mais criando coragem para se revelar. E são muitos. Ah, e não adianta denunciar páginas e grupos racistas, nazistas e homofóbicos ao Facebook. A equipe de análise de denúncias do senhor Zuckerberg, apesar da lei, não considera as publicações ofensivas. Ofensivo é seio amamentando.

É por isso que esses fascistas estão saindo do armário. É por isso que por estes dias (talvez pessoas que são Maju) sacrificaram um negro amarrado a um poste, exatamente o que faziam os capitães do mato quando caçavam escravos fugidos, tivessem eles alguma culpa ou não.

Ás vezes precisamos de ocorrências como essa do caso Maju para nos lembrarmos de que também somos racistas quando toleramos sem reagir, brincadeiras do tipo: bem, vamos trabalhar porque hoje é dia de branco.


Nenhum comentário:

Postar um comentário