terça-feira, 9 de junho de 2015

Darcy Ribeiro, Castells e Chauí. Verdades inconvenientes

Por Fernando Castilho


''Operários'' de Tarsila do Amaral (detalhe)
O sociólogo espanhol Manuel Castells esteve no Brasil e concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo em 18 de maio passado. 

Entre as respostas à repórter Sylvia Colombo, Castells afirmou: ''A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, [o brasileiro] sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. Essa agressividade sempre existiu.

Há dois anos atrás, em 17 de maio de 2013, a filósofa Marilena Chauí já havia afirmado: “A classe média [brasileira] é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”. 

Críticas não faltaram aos dois intelectuais, porém sobrou mais para Chauí porque a classe média vestiu a carapuça.

O que temos presenciado ultimamente é o aumento da intolerância, do preconceito, da violência verbal e até física não só na classe média, mas também na alta, a chamada elite.

Mas terá Castells razão em afirmar que o povo brasileiro sempre foi violento?

A dar-lhe razão está Darcy Ribeiro em seu ''O Povo Brasileiro'', quando diz que a primeira elite que se instalou no Brasil, ainda vinda de Portugal, tentou escravizar os índios para dar-lhes uma ocupação, para que fizessem algo produtivo ao invés de viverem a vida simples, feliz e tranquila que escolheram. Para isso não hesitaram em enviar aos confins do país os bandeirantes para caçá-los como animais. Os jesuítas trataram de catequizá-los para dar-lhes uma oportunidade de escapar do inferno, para o qual jamais iriam antes da chegada dos portugueses.

Pior foi com os negros trazidos de maneira cruel da África. Eram coisas, não gente. E para tudo encontrava-se uma justificativa: Na chegada já eram violentamente chicoteados para que soubessem o tamanho da dor que sentiriam, caso desobedecessem ou fugissem. Deus assim queria.

Mas, no mundo todo, qual povo nunca foi violento?

Observando aqui e ali, percebe-se uma certa bipolaridade em todos os povos, de acordo com períodos da História. A sociedade pode ser num momento fraterna e generosa, e num outro momento cruel e destrutiva.

O povo alemão era tão pacífico quanto qualquer outro em tempos de paz. Com a ascensão de Hitler, o ódio foi sendo incutido aos poucos pela mídia da época, comandada por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich. Em pouco tempo os alemães, homens, mulheres, crianças, idosos, passaram a odiar os judeus e a aceitar as ações comandadas por Hitler.

Com algumas diferenças, o mesmo se deu na Itália e no Japão, braços do eixo.

E de povo subjugado e quase exterminado, os judeus passaram a subjugar e a quase exterminar os palestinos da Faixa de Gaza, enquanto que os alemães desfrutam de tempos de paz, numa completa inversão das situações.

Quem poderia imaginar que os americanos seriam os primeiros grandes terroristas da História, ao despejarem bombas atômicas em duas cidades japonesas, exterminando milhões de inocentes? E que agora fomentam guerras Europa afora?

Na História do Brasil há inúmeros fatos que ilustram como um povo simpático e alegre pode de uma hora para outra se tornar extremamente violento. Basta ver o genocídio que Caxias cometeu no Paraguai durante a guerra. Basta observar a repressão violenta que Getúlio empreendeu contra as lideranças da Intentona Comunista, retratada de forma magistral por Graciliano Ramos em seu ''Memórias do Cárcere'', onde não faltou sequer o requinte de enviar Olga Benário, esposa de Luís Carlos Prestes, grávida, para a Alemanha nazista, onde seria executada numa câmara de gás do campo de extermínio de Bernburg, conforme nos ensina Fernando Morais na biografia ''Olga''. Basta conhecer que vinte mil matutos foram mortos pela repressão durante a Guerra dos Canudos em 1897, junto com seu líder, Antonio Conselheiro. Basta não se esquecer da ditadura militar que perseguiu e prendeu cerca de 50 mil pessoas, torturou no mínimo outras 20 mil e matou ou desapareceu com outros milhares. E mais, muito mais...

Mas percebamos que depois do fim do regime militar, o Brasil passou por um período de paz relativa, apesar das grandes dificuldades econômicas.

E depois do fim do primeiro governo Lula, o país passou por anos de crescimento econômico, redução das desigualdades, aumento de empregos. Esse período colocou sorrisos nas pessoas, otimismo e confiança no futuro.

O brasileiro voltou a ser simpático pois podia comprar carro novo, viajar de avião, comprar nos shoppings...

Porém, em 2013 as coisas voltaram a mudar (bipolaridade?).

A mídia, percebendo o tesouro que tinha nas mãos, após os protestos do Movimento Passe Livre, engajou-se de vez nas manifestações contra Dilma Rousseff, que não mais recuperou sua antiga popularidade.

Agora, em meio à Operação Lava Jato, o ódio subiu a patamares inimagináveis.

A oposição sem propostas para o país, a mídia que todos os dias publica manchetes para aqueles que só lêem manchetes, deputados federais eleitos para o Congresso mais conservador da História e pastores que vivem ainda na Idade Média, tentam de todas as formas ganhar para si os revoltados que se organizam em movimentos de marchadores para Brasília e de vendedores de camisetas a pedir impeachments e a admoestar imigrantes haitianos que buscam no Brasil solução para suas vidas e as das suas famílias.

E a todo momento as manifestações fascistoides ocorrem, cada vez mais ousadas nas redes sociais.

Não tenhamos dúvidas: o ovo da serpente está sendo chocado. E o máximo que os ainda não contaminados estamos fazendo é observar perplexos no que isso vai dar, exatamente como aconteceu quando Mussolini subiu ao poder na Itália.

Manuel Castells tem razão ao dizer que não somos simpáticos, mas sim agressivos.

Como todos os povos do mundo, inclusive os espanhois de sua terra natal.

E Marilena Chauí, com certa dose de premonição, acertou em cheio em 2013. Basta ver o que estamos vivendo hoje.




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