segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O que Marina Silva vê no espelho?

Texto por Fernando Castilho

Charge por Pataxó charges e caricaturas pataxocartoons.blogspot.jp

Poema por  Ana Helena Tavares (livre adaptação de Quem te viu, quem te vê, de Chico Buarque de Holanda)

Para Marina Silva, com carinho:

Você era a mais vibrante das alunas da escola
Você sorria radiante, você lutava até por bola
Hoje você se esvazia, mas a luta continua
O povo ainda rala, ainda clama, ainda sua

Hoje a passeata chora pela falta de você

Quem não te viu chorar
Não consegue mais te ver sorrir
Quem te viu lutar
Não aceita o seu fugir


Quando a luta começava você era a mais valente
E se a dor apertava a sua força era na mente
Hoje o país é outro e a arbitrariedade é de outro tipo
Mas existe e você nada, como se não fosse mais contigo

A nossa música, você lembra? Era forte, era protesto
A utopia era o que importava, pra depois ficava o resto
Hoje, saudoso, eu visito aquele locais que tinham vida
Pra dizer aos meus olhos que buscamos uma saída

Todo dia olho no espelho e me orgulho dos seringais
Os do Chico, o seringueiro, que derrubou oligarquias
Imaginas como me dói escrever-lhe estas linhas?
Assistindo-a ir à TV dizer tantas patifarias?

Quem teve ânsia de justiça, não se acostuma à covardia
Quem quis mudar o mundo, não o vive sem magia
Não sei como você pode ter vendido a sua alma
É triste, é deprimente, não me peça pra ter calma

Hoje a passeata chora pela falta de você

Por Ana Helena Tavares (livre adaptação de Quem te viu, quem te vê, de Chico Buarque de Holanda)


Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República em 1995 declarou: ''Esqueçam tudo o que escrevi''.

Essa frase sinalizou que o sociólogo que lutou junto a Lula pelas ''Diretas Já'' preferiu capitular diante da força das elites e da mídia que haviam derrubado Fernando Collor, e agora exigiam um neoliberalismo forte, alinhado com Washington.

Lula antes das eleições de 2002 divulgou sua Carta ao Povo Brasileiro onde procurou acalmar o mercado que via sua eleição com imenso medo. Não abriu mão das mudanças que pretendia realizar, mas afirmou que respeitaria os contratos e obrigações do país.

E durante seu governo, e também o de Dilma Rousseff que lhe deu continuidade, assistimos exatamente a isso. Mudanças importantes foram feitas, reduziu-se a pobreza e a miséria, aumentou-se o salário mínimo, etc.. Porém, sabe-se que a elite financeira do país também não tem do que reclamar. 
Agora há como tentar compreender a ''guinada'' de 180° na postura que Marina Silva vinha tendo até a morte de Eduardo Campos.

Marina nas eleições de 2010 não era a Osmarina da Silva dos tempos de Chico Mendes, mas também ainda não era a Marina ''Setúbal'' da Silva de agora. Naquela época, pode-se dizer que ela era a autêntica Marina. Procurou durante a campanha, mesmo com um ou outro deslize nos debates, não arredar mão de suas fortes convicções. Embora com votação muito expressiva, de cerca de 20 milhões de votos, perdeu a eleição para Dilma que ficou em primeiro lugar, e para José Serra, que amealhou o segundo lugar.

Seu discurso ambientalista não cativou as elites, a mídia e o mercado financeiro. Marina percebeu isso.

Ao tentar fundar seu próprio partido, a Rede Sustentabilidade, a ex-senadora procurou caprichar. Suas opiniões fizeram a cabeça dos chamados sonháticos, que viram nela sua libertadora dessa política cheia de negociações, de acordos, de alianças que acontecem em nome da chamada governabilidade. Essa política, que é a verdadeira política, que é própria da democracia, fora chamada de ''velha política''. A Rede passa a reivindicar uma ''nova política'' para o país.

Pura por excelência, a nova política não admite aquilo que é inerente à política.

Na Rede, muitas reuniões de grupos de discussão temáticos foram levados a cabo por vários meses. Questões como regularização de drogas, aborto, políticas públicas para a população LGBT, desenvolvimento sustentável, matriz energética, entre outras formaram um arcabouço de ideias a serem colocadas em prática como Programa de Governo, caso Marina Silva fosse eleita.

Mas a Rede não conseguiu se viabilizar como partido dentro do prazo legal.
Marina deu uma sumida por alguns dias, e inesperadamente reapareceu ao lado de Eduardo Campos do PSB, a tempo de ser inscrita como candidata a vice-presidência.
Seus seguidores passaram por um período de desorientação, mas após isso, a maioria acompanhou Marina.

Mas ela, na condição de vice, ainda podia manter comodamente sua coerência e aura. Afinal, quem deveria fazer o papel de representante da velha política era Campos.

E ele não se fez de rogado. Costurou, contra a vontade da acreana, inúmeras alianças nos estados e captou, através de Márcio França (candidato a vice-governador na chapa de Geraldo Alckmin em São Paulo) recursos provenientes de empresas fabricantes de armas, trangênicos, tabaco e bebidas alcoólicas.

Marina seria preservada ao lado de Campos como uma jóia rara, detentora de seguros 20% do eleitorado, que somados aos votos do pernambucano, lhe dariam competitividade.

Porém, não foi o que aconteceu. A candidatura de Campos não decolou.
Mas seu avião sim.
E caiu.

Um acidente suspeito. Há teses que sustentam que por trás do acontecimento estão forças que tentam a todo custo desmantelar os BRICS, do qual o Brasil faz parte.
O mega investidor George Soros tem financiado movimentos contra os governos em vários países do mundo, com interesse em manter suas especulações. Matéria completa aqui

Campos faleceu, e Marina Silva olhou-se no espelho e se viu Presidenta.

Neca Setúbal, herdeira do Itaú, que já tinha projeto para Marina, percebeu que a hora era agora. Em conversa com André Lara Resende e Eduardo Gianetti, economistas neoliberais, foi consenso de que desta vez teria que ser diferente de 2010. Teria que ter apoio da mídia, e ao mesmo tempo, sinalizar ao mercado financeiro, que ela não é nenhum bicho papão.

Ao quarteto se juntou Wálter Feldman, ''ex-tucano'', escolado por 30 anos dentro do PSDB, que argumentou que se ela conseguisse que sua candidatura atingisse rapidamente um patamar alto o suficiente para mandar Aécio Neves para a terceira colocação, praticamente alijando-o da disputa, deveria ela, Marina assumir o legado do candidato, isto é, suas propostas neoliberais, que se consubstanciariam em seu Programa de Governo.

Ao mesmo tempo, Marina participaria de um debate na Band, onde afirmou que não tinha nada contra a elite, da qual Neca e Chico Mendes faziam parte (!).

Participaria também da entrevista no Jornal Nacional, onde declarou que é lenda dizer que ela é contra os trangênicos, pois ela nunca o fora (!).

Desconstrói-se assim sua imagem anterior, e constrói-se aquela destinada a governar.

O pessoal da Rede apressou-se em elaborar o Plano de Governo, já incorporando as ideias neoliberais conservadoras (Aécio até afirmou em comício que as propostas lhe foram plagiadas). 

Além disso, o plano desconsiderou o pré-sal e seu 1,3 trilhão de reais destinados à educação (75%) e saúde (25%). Acrescentou-se ainda um diferencial: a autonomia do Banco Central, certamente uma imposição de Neca Setúbal, que possibilitaria aos bancos manipular as taxas de juros como lhes forem convenientes.

Talvez o único ponto, fruto das discussões internas da Rede, mantido no original, portanto honesto e até avançado, tenha sido o das políticas públicas para as populações LGBT.

Por um dia apenas, pois, pressionada, principalmente por Silas Malafaia, Marina passou totalmente para o lado escuro da Força.

Pode-se dizer que Marina preferiu o voto dos evangélicos em detrimento dos gays? Possivelmente gays ainda votarão nela.

Mas o que se percebe nas redes sociais?
Lógico que não é nada científico. Não é uma pesquisa, mas observa-se que grande número de pessoas que apoiavam Marina, perceberam o quanto foram enganados e já começam a desembarcar de sua candidatura.

Para onde irão?
Incógnita.
Muitos deles são apolíticos.
Muitos deles são anti-PT, movidos pelo que a mídia lhes prega.

Mas muitos também percebem que não podemos voltar ao tempo em que o neoliberalismo quase acabou com o Brasil, gerando desemprego e aumentando enormemente o abismo entre as classes sociais.

Marina Silva se meteu numa grande aventura. A maior de sua vida.
Nunca mais há de ser a mesma.

Esqueçam tudo que ela falou.

Pataxó





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